Entrevista com Márcio Okayama em 2010 por Dema K.
O bacharel em violão Marcio Okayama achou uma linguagem moderna para as seis cordas de sua guitarra, unindo elementos de música erudita e experimental com rock.
Marcio mescla com proeza diversos elementos de ambos os idiomas, numa linguagem bastante interessante e original. Já acumulando apresentações com inúmeros músicos brasileiros e americanos, Marcio leciona no IG&T, em São Paulo, e é o coordenador do curso online.
Em breve estarão saindo dois novos trabalhos autorais e, para contar essas e outras novidades, respondeu a essa entrevista exclusiva do Palco Principal Brasil. Confiram:
Palco Principal – Você é um guitarrista que tem um currículo que mescla influencias do rock e conhecimento de elementos da música erudita. Conte-nos um pouco sobre sua formação musical.
Marcio Okayama – A música erudita e seu respectivo estudo é um caminho obrigatório para qualquer músico popular. Esta foi uma grande verdade dita por um mestre muito importante em minha formação: o musicólogo Paulo Castagna. Fui fazer a faculdade de música quando já tinha certo grau de envolvimento com o instrumento (havia estudado com o Michel Perie, Mozart Mello e Wander Taffo), dava aulas e tocava em bares. Na época, em1990, não existia a grade de música popular e, em função de uma certa inspiração pela música do Randy Rhoads, acabei “peitando” o bacharelado em violão erudito, o que foi um belo desafio, levando em conta que os critérios que cerceiam a música erudita são um planeta à parte; mas me abriu muito a cabeça em relação a musicologia, repertório e perspectiva histórica. Tal processo foi fundamental na minha carreira.
PP – Sabemos que você gosta de compositores contemporâneos, tais como Scheonberg, Alban Berg ou Webern. Como usa essas influencias na sua música?
MO – No meu entender pessoal, a música erudita é o grande laboratório onde se formatam as principais ferramentas e sistemas musicais que depois são aproveitados pela musica como um todo. Stravinsky teve este papel no século passado, sendo que a sua música moldou todos os alicerces dos sistemas de composição usados por inúmeros nomes, do Zappa ao Tom Jobim, do Charlie Parker ao Jason Becker, chegando ao Toninho Horta; e foi assim no passado com os alicerces lançados por Palestrina, Bach, Bethoveen, etc…Todos estes compositores modernos que você citou tem esta função que vai além da própria arte. Em termos mais pessoais e guitarrísticos, creio que guitarristas podem estudar o sistema dodecafônico no intuito de justificar e legitimar o uso de dissonâncias; pessoalmente, consigo desenvolver frases inusitadas através destes sistemas. Gostaria de citar que, para mim, o groundbreakrer definitivo da música contemporânea é o polonês Penderecki – um caso único de usar e desenvolver ferramentas e sistemas experimentais com uma carga emocional belíssima. Lembro, até hoje, da sensação inusitada e única de ouvir, pela primeira vez, seus “Requiens”,”A Paixão de Cristo”, e a “Tenoridea para as vítimas de Hiroshima”, sem dúvida o meu favorito!
PP – A composição Guerra e Paz que nos lembra uma mistura de Steve Vai com Astor Piazolla com musica atonal. Como elaborou esse tema?
MO – Piazolla é sempre um dos primeiros do meu playlist.. lembro de comprar seus vinis ainda em minha adolescência; nunca tive nenhum preconceito com estilo musical, minha estante de discos ia do Steve Vai ao Piazolla, passando pelo Venom e tudo mais que achasse verdadeiro para meu coração. Este Tema (Guerra e Paz) saiu originalmente na coletânea “G.U.I.T.A.R”, creio que representa uma linha de composição que gosto, uma forma livre mais próxima; lembro que, quando gravávamos o baixo com o genial Chico Wilcox, passava para ele o mapa da música por eventos. Foi composto pensando basicamente em unir texturas atonais eletrônicas próximas a música industrial (e suas guitarras dissonantes pesadas), com climas introspectivos e densos característicos do tango contemporâneo.
PP – Também podemos perceber em Stars e Rainforest que você utiliza e cria muitos efeitos especiais na guitarra. Quais foram os pedais e efeitos usados?
MO – Estes temas foram compostos em 2003/2004, anos em que editei algumas vinhetas e temas que havia escrito para algumas palestras de cromoterapia e lancei-as num projeto chamado Cromato, baseado nestes mesmos. Por incrível que pareça, gravei todas as guitarras em linha com alguns emuladores antigos, antes da febre dos GuitarRigs. Usei um Sansamp e um emulador da Zoom (que me patrocinava na época), eventualmente algum flanger e delay da Danelectro. O mais complicado é fazer com que as texturas eletrônicas e as cordas orquestrais programadas não batam fase com o som de guitarra. Desta forma, os melhores instrumentos para este som foram minha Steinberger GM e minha Fender Strato velha.
PP – Desde 1997, você integra o time de professores do EM&T e é responsável pelos cursos online. Como avalia o interesse e desempenho dos atuais alunos com tanta informação na internet?
MO – A web está dando uma sacudida geral nos alicerces gerais de nossa sociedade. Chega a ser assustador pensar aonde isto tudo vai dar! O fato também é que muitos alunos chegam com muitas informações atropeladas; às vezes o excesso de informação e eventual facilidade de desenvolver técnica dão aos garotos uma falsa sensação de resolverem as coisas. Mas o fato é que, mesmo com todo este cenário, afirmo que música é um processo de aprendizagem eterna, constante e lenta, respeitando o tempo (da vida, do mundo e o seu próprio). Atualmente, além das aulas presenciais no IG&T e particulares, estou desenvolvendo um projeto de aulas on line em meu site (www.mokayama.com), que podem ser tanto aulas à distância, via skype, como cursos fechados com web ferramentas específicas.
PP – Você teve aulas com Mike Stern, lenda do fusion moderno. O que aprendeu com ele? As aulas foram aqui no Brasil?
MO – Sim, foram no instituto de bateria da Vera Figueiredo, em 1998; foi meio de supetão… Meu pai, que também é fã dele, havia ligado para a Vera, para perguntar sobre as datas do show, e armou as aulas com ela como uma surpresa para mim, que estava fora da cidade… Quando voltei, tive esta grande notícia… O Stern é um cara muito simples e generoso, além de ter tido a honra de conhecê-lo, foram muito importantes as dicas e explicações em relação à maneira como enxerga a música. O mais legal é que nas aulas ele faz um enfoque bem amplo sobre conceitos simples – algo que o norte-americano faz muito bem, aproveitar e otimizar cada informação.
PP – Em breve teremos dois novos discos solos: “Poemas sonoros vindo do Caos”, que dá continuidade a trabalhos anteriores; e “Zen Garden”, com pesquisas na musica étnica oriental. Fale um pouco sobre esses trabalhos…
MO – De certa forma, são continuidades de meus trabalhos anteriores. A vantagem deste nicho musical em que trabalhamos é nos dar a liberdade de construir estes discos em nosso próprio timing, logística, orçamento e agenda. Mesmo sendo uma área fora do mainstrem, possuímos um publico menor, porém fiel, que os fãs de guitarra são uma das confrarias mais leais que existem. “Zen Garden” já está sendo masterizado. É composto por peças lounge/new age experimentais, era para ter sido lançado na data do centenário da imigração japonesa, mas aquele ano foi meio turbulento e acabei engavetando o disco que deve ver a luz do sol ainda este ano. Já “Poemas” é onde aperto a famosa “teclinha” e lanço um trabalho que some todas minhas referências, por mais contraditórias que possam parecer: do metal a world music, do fusion a música experimental, passando por sabores brasileiros.
PP- Qual a sua idéia sobre a música produzida na guitarra nas próximas décadas?
MO – Costumo brincar que esta nossa época é parecida com a série em quadrinhos “Crise nas Infinitas Terras”, onde vários universos paralelos se misturam. O fato é que, mapear uma tendência única é quase impossível, mas, o mais legal é que geração vem e geração vai, e os ícones como Hendrix, Django, Danny Gatton e Jason Becker ainda são cultuados pela garotada e fãs da guitarra. Mais do que tudo, os primeiros riffs que um estudante de guitarra aprende ainda são Paranoid, Back in Back e Breaking the Law.
PP – Quais são as marcas e equipamentos que fazem parte de seu set up atual?
MO – Usei inúmeras guitarras, amplis e pedais por estes anos, mas, atualmente, tenho usado bastante uma Jaguar customizada que o Sr.Seizi Tagima fez como modelo signature meu pela sua custom shop (Okayama Kamikaze), além de várias Telecasters customizadas e outras guitarras “frankensteins”. Efeitos, basicamente os da Nux que me patrocina através de seu importador aqui, a Deval (são eles: Distorção, Over Drive, Fuzz, Chorus, Flanger, Delay e Multi efeitos), amplificadores Marshall sempre.
Demma K.